sexta-feira, 20 de maio de 2016

Os famosos almendrones, carros americanos dos anos 1950
O bicitaxi é um dos meios de transporte de Havana
Entrar numa cápsula do tempo e se achar numa cidade latinoamericana dos anos 1960, onde ainda se fuma (e muito) em lugares fechados e as mocinhas vão à escola em saias plissadas e meiões, é só uma das formas de se definir uma viagem a Cuba. A ilha caribenha, laboratório de uma utopia comunista vista com admiração, repúdio e curiosidade pelo mundo inteiro, tem muita beleza, cultura e dignidade para mostrar. Mas também muita penúria, abandono e decadência. Havana, em tempos de Barak Obama, Rolling Stones e Papa Francisco, de ocaso da Era Castro e de abertura lenta e gradual ao capital internacional, é um destino perfeito para quem procura um tipo de turismo histórico-político-antropológico.


Fachadas dos sobrados em Habana Vieja



Catador em ruela de comércio no centro da cidade
Avenidas largas e com poucas árvores
A primeira sensação que se tem ao sair do aeroporto internacional José Martí, se você nunca esteve em Cuba, é de que espalharam pelas ruas uma dezena de carros antigos para atrair turistas e fazer figuração na paisagem ensolarada e quase sem árvores da capital. Parece brincadeira. A ficha vai caindo aos poucos, quando as ruas esburacadas vão descortinando outros muitos meios de transporte típicos de Havana: táxis coletivos, cocotáxis, bicitáxis, guaguas (ônibus) e motocicletas com carrinhos acoplados. Aí vêm as segunda e terceira sensações: o barulho dos motores antigos e das buzinas (altas e longas) e o forte cheiro dos canos de escape desgastados que deixam seus rastros de monóxido de carbono por onde passam.

Gran Teatro de La Habana Alicia Alonso
Capitólio
Mas tão logo se chega à parte mais central da cidade, não há como não se encantar com a arquitetura eclética e monumental, com as ruas estreitas de sobrados altos, arcadas, pátios e varandas que não deixam nada a desejar aos centros históricos de outras grandes cidades fundadas no início do século 16. Há muitas praças, igrejas, teatros, museus, esculturas e prédios imponentes da época colonial. E sempre há uma roda de músicos tocando e bailarinos convidando os turistas a dançar ritmos caribenhos à luz do sol. Turistas, por sinal, que vêm de todo o mundo e estão em toda parte. Há um boom, segundo os próprios cubanos, de turistas que querem conhecer Cuba “antes que o país deixe de ser um dos últimos 
bastiões do socialismo no planeta”.


Um aviso deve ser dado. Mesmo na área mais turística, chamada Habana Vieja, é preciso estar preparado. Há muita decadência, muitos prédios literalmente caindo aos pedaços, e a sensação de penúria é inevitável. Mais de 50 anos de embargo econômico e campanhas contra a “Ilha de Fidel” deixaram, sim, muito estrago. Na paisagem e nas pessoas. O preço pago pela soberania e o direito de escrever sua própria história fez de Cuba um país muito pobre e, dos cubanos, um povo ao mesmo tempo acostumado a dividir o pouco que tem e cansado de esperar por tempos melhores.














Habana Vieja
Ao andar pelas ruas de Havana, o “filme” que passa aos nossos olhos, acostumados com a pobreza capitalista, é de uma realidade mais feia, porém mais coerente: pessoas pobres colocadas num cenário pobre. Pessoas vestidas da forma mais simples possível vivendo em velhos sobrados onde os varais cheios de roupa compõem a decoração das varandas ao lado emaranhados de fios de energia e de telefone. Uma realidade coerente quando comparada ao Brasil, por exemplo, onde apesar de uma imensa parcela da população ser infinitamente mais pobre que a cubana, a pobreza das cidades parece ficar escondida sob o tapete pós-moderno-tecnológico-consumista em que vivemos. Por toda parte vemos viadutos, pontes, prédios espelhados, automóveis modernos, lojas, shoppings, outdoors luminosos. Coisas que não existem em Cuba.

Mas bem além da aparência da cidade e dos cubanos, o que desafia o turista, em Cuba, é entender o que pensa o povo, como ele vive e o que espera do futuro. Vinte e poucos anos depois do “período especial”, quando o campo socialista caiu e Cuba perdeu a ajuda internacional e o país viveu uma de suas piores crises econômicas na história, os cubanos ainda têm muitas carências materiais e não é raro ser abordado na rua por alguém pedindo “um sabonete, um xampu”. As indústrias que ainda resistem têm dificuldades financeiras para atualizar seus maquinários e os profissionais altamente qualificados que saem das excelentes universidades cubanas não têm emprego à sua altura e sonham em sair do país.

O serviço público, ainda hoje única opção de trabalho para muitos cubanos, remunera muito mal, cerca de 18 dólares/mês, e não oferece chances de ascensão profissional. Carlos Castillo, doutor em engenharia nuclear e alto funcionário da empresa cubana de energia, desabafa: “Amo meu país e minha profissão, mas ganho menos que um porteiro de um grande hotel, que recebe gorjetas em dólares. E sei que isso nunca vai mudar. É muito difícil”, diz. 

"Quem já tem uma certa idade não se arrisca a sair, mas os jovens querem ir embora tão logo se tornam profissionais. Aqui eles não têm chance de crescer e de ter uma vida melhor", concorda Alba Martinez, engenheira química que há vinte anos abandonou sua profissão para administrar o aluguel de quartos para turistas.

"Eu não sairia daqui se os salários fossem melhores", opina Leo Sanchez, aposentado. "Passamos por dificuldades, mas há trabalho para todos, nos campos, na agricultura. Quem realmente precisar, tem onde trabalhar", defende. Segundo Leo, os que criticam o governo são chamados de "gusanos", que significa "verme", pois "se arrastam aos pés dos inimigos norte-americanos". "E nos parecemos muito com os brasileiros, nossa alma, nossa cultura. Aliás, os cubanos amam as telenovelas brasileiras", conta Leo.

Por mais que existam semelhanças entre as culturas de Cuba e do Brasil, não há como um visitante não se sentir estrangeiro na ilha de Fidel. As diferenças entre o que vale para o nativo e o que vale para o turista começam pelas duas moedas em circulação no país, o peso cubano e o peso convertível. A primeira, conhecida por CUP, vale 24 vezes menos que a moeda convertível, por sua vez chamada de CUC, e que vale 1 dólar. Assim, há lojas para cubanos e lojas para turistas, restaurantes para cubanos e restaurantes para turistas, farmácias para uns e outros e por aí vai. Tudo, sem exceção, diferindo em preço e em qualidade. Os restaurantes para cubanos, por exemplo, em geral não têm nem mesa, o cliente come no balcão mesmo. Já os exclusivos para quem paga em CUC são caríssimos e podem chegar a ser extremamente luxuosos.

Apesar de todas essas diferenças – uma espécie de apartheid entre cubanos e turistas –, quase não existe violência em Cuba. Não se ouve falar em assaltos ou agressões. O ensino é obrigatório até o secundário, e gratuito até a universidade. O sistema de saúde, reconhecido no mundo todo, garante à população atendimento médico e medicamentos por toda a vida. Crianças e idosos merecem atenção especial, sendo amparados pelo Estado em suas necessidades.

Percebe-se, numa rápida conversa com qualquer cubano, o nível de escolaridade e de informação que têm os moradores daquele país, em geral abertos e simpáticos. Ao puxar conversa, seja numa praça ou num táxi, prepare-se para muita conversa e não se surpreenda se o cubano estiver a par, com detalhes, da situação política de nosso país. Apesar de todas as limitações impostas por uma imprensa de pensamento único e do acesso ainda restrito à internet, eles são muito bem informados.

Aos domingos a diversão é acessar a internet na praça
Outdoors lembram as lições socialistas
Internet, por sinal, ainda é muito restrita na ilha. Cubanos não têm serviço de internet privado. Esse “privilégio” é exclusivo de estrangeiros residentes na ilha, pagando caro e recebendo um serviço lento e limitado. Para ter acesso, os nativos têm que comprar um cartão de conexão e ir a algumas praças públicas onde existe pontos de wi-fi. Como muitos cubanos têm parentes morando fora, essas praças são uma atração à parte, especialmente nos fins de tarde de domingo, momento que reservam para matar as saudades. São dezenas de pessoas, de todas as idades, sozinhas ou com a família, rindo ou chorando, mas todas de alguma forma conversando com seus tablets e celulares. Os turistas têm ainda a possibilidade de acessar a internet nos hotéis, pagando cerca de 5 dólares a hora.

A Revolução, que é lembrada dia a dia há 58 anos por meio dos outdoors espalhados pelo país com frases de efeito e fotos dos líderes, é também o assunto mais falado no território, já que todos os visitantes querem saber e os cubanos, invariavelmente, gostam de dar seu ponto de vista. Há muitos que aplaudem, e muitos que querem o fim o regime. Há os que se orgulham da ideologia revolucionária e há os que sonham com uma vida mais farta e próspera. Consenso é uma palavra cara aos cubanos. Mas uma coisa é certa: o exemplo de resistência, a capacidade de criar soluções e o espírito de solidariedade incutido naquela cultura devem sobreviver aos tempos e aos vendavais que venham adiante.

ROTEIRO PARA TURISTAS

Se você pretende fugir do esquema hotel/Cuba pra inglês ver, minha sugestão é alugar um lugar na casa de um cubano, ou até a casa toda. Fiquei com mais quatro pessoas numa casa simples, mas suficientemente confortável (dois quartos, dois banheiros, sala e cozinha, banho quente, ar-condicionado, televisão, telefone, fogão e geladeira) num lugar bem próximo da Praça da Revolução, de onde saem ônibus de turismo, cocotáxi etc. Pagamos 50 CUCs por dia (o que dava 10 pra cada, equivalente a 10 dólares) pela hospedagem e mais 5 CUCs por dia pelo café da manhã. O legal não era nem o café da manhã em si, bastante bom também, com frutas, pão, queijo, ovos, leite, café e suco, mas a companhia do casal que administra a casa e que vinha pessoalmente fazer o “desayuno”. Eles são engenheiros químicos aposentados e adoram conversar e falar sobre a vida em Cuba (Leo é defensor do regime. Alba, que é sua cunhada, é mais crítica. O embate entre eles é bem instrutivo). 


Alba e Leo
O e-mail é albamarodriguez@yahoo.es e o telefone 53 7 7878 5292

Dica 1: O visto pode ser tirado no consulado (SP), na embaixada (BSB) ou no check-in da Copa Airlines no aeroporto do Panamá, tranquilamente, pelo valor de 20 dólares (todo mundo avisa pra levar já trocado porque eles não têm troco). É só dizer que quer comprar a tarjeta de turista e eles entregam na hora.

Dica 2: Leve euros. Troque na casa de câmbio do aeroporto mesmo. Lembre-se que em Cuba existem duas moedas: O CUC (cê u cê), ou peso convertible, é usado por turistas e equivale a 1 dólar. O CUP, peso cubano, ou moneda nacional, vale 24 vezes menos que o CUC.

Dica 3: Peça desconto sempre. Eles dão.

Dica 4: Quase todos os táxis, cocotáxis, bicitáxis negociam o preço da corrida antes, não têm taxímetro. É bom sempre tentar um desconto, porque eles têm mania de superfaturar. E há um mito de que o número 10 é mágico. “Tudo custa 10 CUCs”!

Dica 5: Leve band-aid para o caso de um arranhão ou calo, e um kit de primeiras necessidades. Em Cuba não existe uma farmácia atrás da outra e para tudo se exige receita médica. Ah, não se encontra adoçante em Cuba, nem mesmo nos cafés e restaurantes.

Dica 6: Tenha sempre à mão umas moedas de pouco valor. Nos banheiros de locais públicos e também nos privados pede-se uma moeda para se ter acesso ao papel higiênico.

Buena Vista Social Club, imperdível
Dica 7: Pegue o turisbus, que custa 10 CUCs e leva você pra ver os principais pontos turísticos e históricos de Havana. Uma ideia é descer na parada do Hotel Habana Libre, onde se pode comprar um bom mapa da cidade e alguns guias, se quiser. Ali tem birô turístico onde você pode se informar sobre passeios pelo país e comprar ingressos pro Buena Vista Social Club, por exemplo, que é um show bem turístico mas bem legal (custa 30 CUCs com direito a três bebidas ou duas bebidas e um pratinho de frios). No hall do Habana Club também tem café, cabines telefônicas e internet wifi.

Lugares para visitar:

Plaza de La Revolución

Parque Central
Sempre tem músicos e dançarinos de rua se apresentando. Pode-se descer do turisbus ali e ver, além do monumento a José Martí, o Capitólio e o Gran Teatro de Havana, que é belíssimo (todos dois estavam fechados pra visitação quando estive lá). Na frente do Capitólio tem um restaurante muito bom, o D´Lírios, onde se pode comer um delicioso camarão por 8,50 dólares (14 dólares com suco, sobremesa e café).

Todos dançam na praça
Música e animação no Parque Central
Fábrica de Artes Cubana (FAC)
Só funciona à noite. Custa 2 CUCs pra entrar e lá dentro tem vários ambientes, de música, cinema, fotografia, artes plásticas, moda, bares, boates. Super legal!!!!

Bodeguita del Medio
Bodeguita del Medio
Apesar de ser super-hiper-mega turístico, tem que ser visto. Do lado de fora tem um certo ar de Olinda, com artistas vendendo suas tralhas. Dentro lembra o bar da Mira, com as paredes cobertas de assinaturas de clientes e fotos das personalidades que já estiveram ali. Tem música ao vivo e o mojito, dizem, nasceu ali. E eles se ofendem se você pedir um daiquiri. Porque daiquiri é pra ser pedido na Floridita, outro point que não fica de fora de nenhum roteiro turístico, e era onde Hemingway tomava suas biritas.

Museo de La Revolución
Eu achei fantástico porque é como entrar num museu em 1960/70. Tecnologia é zero, nem ar-condicionado tem! As instalações são bem daquela época, com expositores de vidro com fotos antigas se estragando pelo tempo e letreiros com fontes enormes. Ao mesmo tempo tem um acervo riquíssimo com os registros de todos os passos desde que a Revolução começou a ser pensada até depois de instalada. Anexo tem o Memorial Granma, onde também estava fechado para visitação o iate que levou os guerrilheiros do México para Cuba.

Museo de Bellas Artes
Ao lado do Museo de la Revolución. Eu adorei o segundo andar, de arte moderna.

Plaza de las Armas
Fui no sábado pela hora do almoço e achei muito agradável. Tem uma feira de livros antigos e antiguidades, muitos restaurantes com música ao vivo e movimentação de artistas de rua. Prepare-se para enjoar de ouvir "Guantanamera".

Plaza Vieja
Praça ampla com restaurantes e cafés. Procure ali a “cámera oscura”, que fica num prédio de esquina. Paga-se 2 CUCs pra subir ao 8º andar. Lá de cima se tem uma vista de 360 graus da cidade e ainda se tem uma apresentação da tal câmera escura, que é um instrumento criado por Leonardo Da Vinci e que é como uma câmera ao vivo e com um zoom gigante mostrando vários pontos de Havana. A Plaza também é um bom ponto de partida para um giro a pé pela Habana Vieja.

Plaza Vieja vista do alto do prédio da Cámara Oscura
Feria de San Jose (o Mercado de São José de lá)
Bom lugar pra comprar artesanato e lembrancinhas. Bem ao lado fica a Cerveceria, ou Fábrica de Cerveja, que também é um restaurante, à beira do Malecón, onde se almoça bem por um preço razoável.


Artesanato na Feira de San José
Che é figura bem vendida em Havana
Hotel Nacional de Cuba
Além de apreciar o luxo da Cuba de 1930, ano de sua fundação, no Hotel Nacional pode-se visitar um antigo bunker da época da crise dos mísseis, por volta de 1962, quando o país viveu a ameaça de um ataque nuclear. Um senhor de idade trabalha como voluntário ali, servindo de guia para os visitantes. Uma aula!

Castillo de los Trés Reyes del Moro e Fortaleza de Carlos III de La Cabaña

São dois fortes que ficam do outro lado da baía (tem-se que atravessar um túnel debaixo do mar) e de onde se tem uma bela vista de Havana. Ali acontece uma cerimônia besta do “cañonazo”, diariamente às nove da noite. O legal é chegar no fim do dia (em maio só anoitece lá pelas 7 e meia da noite) pra ver o pôr do sol no mar do Caribe. Tem uma feirinha de artesanato e uns museus de guerra pra quem gosta de ver armas. A cerimônia em si dura uns quinze minutos e não tem muita graça.

Callejón de Hamel
É uma comunidade afro (uma rua, na verdade), onde aos domingos acontecem apresentações de rumbeiros e outras manifestações culturais. Mas diariamente se pode visitar e ver uma decoração exótica cheia de esculturas feitas com material reciclado, bares, barracas de venda de ervas e guias do candomblé, pinturas africanas e comércio de artigos cubanos. Os moradores, e os vendedores que cercam o turista o tempo todo, dizem que toda a renda é pra uma escola que têm na comunidade.

Embaixada americana e Tribuna Anti-imperialista
A embaixada americana fica em plena orla do Malecón. Ali, além de filas de cubanos esperando para solicitar visto, pode-se ver o Monte das Bandeiras, bem em frente ao prédio ianque. São 165 mastros gigantes instalados pelo governo da ilha para barrar a visão de um letreiro eletrônico onde os americanos veiculavam, no alto da embaixada, propaganda contrarevolucionária. Os mastros, hoje com apenas uma bandeira de Cuba, eram enfeitados com bandeiras pretas em sinal de protesto. Na frente do Monte das Bandeiras foi construído, ainda, a Tribuna Anti-imperialista, que é uma estrutura de ferro, como um palco, onde eram realizadas discussões políticas e até hoje acontecem eventos culturais.
Cocotáxi


Havana vista do interior de um almendrón
Crianças fazem pose para os turistas
Cenas de rua


Vendedora de...



Cenas das comemorações do 1 de Maio de 2016:











Meus outros blogues de viagem são:

serradacapivara2016.blogspot.com

mexicotimtimportimtim.blogspot.com

santiagodochileparainiciantes.blogspot.com